Eu comecei pescar ainda criança.
O Chiquinho era considerado por mim como meu segundo pai. (Na foto ao lado com meu irmão e eu).
Frequentava a casa dele
e da “tia Maria” desde que, por puro instinto, atravessei a rua ainda de terra
da casa que eu morei até me casar ...
Dizia minha mãe, que não havia
percebido e, que quando deu por conta, tia Maria estava na porta de casa com
aquele bebe lindo (eu, é claro!) no colo dizendo que me encontrou na varanda da
casa dela... Notem desde cedo a minha genuína esperteza. Esperteza essa, que me
proporcionou atravessar a rua de terra e a subir uma escada de mais de 15
degraus... Gatinhando...
Foram anos enriquecedores de
convívio com este casal ímpar (casal ímpar ???).
Chiquinho e tia Maria já fazem
moradia em outro plano.
Bom, vamos parar de falar das
minhas inúmeras qualidades (inclusive da modéstia, que me impede de dizer o
quanto sou bom... rsrs), e vamos falar de uma das inúmeras pescarias que o
saudoso Chiquinho, o “tio Chico”, nos proporcionou.
Chiquinho tinha um hábito do
qual ele não abria mão:
Ir pescar todas as terças-feiras. Só se chovesse ele
não ia. Aí ele trocava o dia...
E íamos na cola dele...
Em uma destas terças-feiras de
1973/74 (eu era um jovem e promissor adolescente nessa época), saímos para a
pescaria.
Quatro da manhã eu acordava.
Meu irmão Edmilson e também o Osmar
nosso amigo de infância iam juntos.
Ah! E mais o seu Zé Grandão, cunhado
rabugento mais gente boa (?), do Chiquinho. Ele e seu dedo indicador e médio
amarelados de tanto segurar o cigarro que ele fumava compulsivamente e, também
com seu chapéu do tipo “Indiana Jones”, inconfundível, que nem imaginava a fama
que iria ter no futuro.
Fomos todos nós no fuscão 72,
azul pavão, impecável do Chiquinho para mais uma pescaria.
Detalhe importante:
Esse fuscão era lavado no mínimo uma vez por semana, espanado todo dia e as
partes cromadas, pelo menos uma vez por semana, levavam uma camada de “Kaol”,
creme para polir muito famoso na época, (eu pelo menos conhecia bem, pois quase
sempre era eu quem o passava e fazia o polimento... rsrs). E se chovia, quando chegava a casa, na
garagem, ele enxugava o carro todinho.
Bom, como ia dizendo, fomos
todos nós cinco no fuscão impecável do Chiquinho...
Nosso destino era a estrada
velha de Santos, no Km 42, perto das comportas (como que eu ainda me lembro
disso?).
Antes, paramos como de costume, no Riacho Grande para tomar café e
comprar alguns detalhes como anzol, chumbada, linha e isca, faltantes. Após
isso, seguimos para a represa.
Paramos o carro num recuo do
acostamento, pegamos as tralhas, fechamos o carro e seguimos pela trilha até a
represa.
Naquele tempo, podíamos deixar o carro impecável, sem seguro, na beira
da estrada sem nenhum medo de que seria roubado. Anos vivendo essa rotina e
nunca tivemos nem um pneu roubado.
Nosso traje era composto por
calça rancheira (antecessora do blue jeans), camisa de manga comprida (para se
proteger dos “borrachudos”, uma espécie de pernilongo minúsculo cuja picada doí
e coça pra cacete!), botas tipo 7 léguas (essa eu fui buscar revirando o meu
baú messsmo... rsrs) e chapéu de palha.
Nossa tralha era composta de
varas de pescar, chumbadas, linhas, canivete, iscas, samburá (local para
colocar os peixes) coador (para não deixar os peixes maiores fugirem),
banquinho e produtos de sobrevivência na selva como, por exemplo:
Comida rsrs...
(garrafa térmica com café, garrafa térmica com café-com-leite, garrafão com
água, pão, queijo, mortadela, e as insubstituíveis laranjas).
Para chegar à represa íamos por trilhas. Essa trilha tinha aproximadamente
1 km.
Nesse dia a represa estava baixa (não tanto como as de hoje) e a margem
era grande e em boa parte afundava.
Tomamos cuidado para não atolar. Escolhemos
um lugar e “baixamos acampamento”.
Começamos a pescar e, apesar da
manhã linda e ensolarada, a pescaria tava ruim. Ninguém pegava nada (pelo menos
eu não tinha pegado nada) e o coro de sapateiro! Sapateiro! (não sei por que,
mas o termo “sapateiro” significa que eu não tinha pegado nada, tava virgem até
aquele momento).
Lembro que aquilo me deixou nervoso! Fiz beicinho e não falei com mais
ninguém.
Resolvemos ir para outro lugar.
Fomos para a Xibóca, outro
local para pescaria perto dali. Nunca tínhamos ido lá.
Deixamos o carro num bar para
pescadores e seguimos a trilha de uns 2 quilômetros até a beira da represa.
Eu, ainda emburrado, peguei
minhas tralhas, o saco de pão e fui atrás, cabisbaixo... Afastei-me um pouco deles e resolvi cortar
caminho pela margem... ATOLEI! Um sacrifício para sair sozinho (não queria dar
o braço a torcer e pedir ajuda)... Com as mãos ocupadas, realmente, sofri...
Mas, desatolei. Resultado:
Bota e calça enlameadas, saco de pão rasgado e
perdendo pãezinhos pelo caminho e, mais tiração de sarro...
Eu tava puto da
vida!
Chegamos à beira da represa e
fui me arrumar um pouco longe deles.
Armei minhas varas e comecei a
pescar um peixe atrás do outro. E eles só olhando...
Não demorou e todos eles
estavam do meu lado e eu, com um ar de triunfo, nem dava a mínima para eles.
Caracas! Como pré-adolescente e chato!!!
Enchi o samburá de peixe...
Eles também, graças ao meu “faro” para descobrir locais que tenham muito
peixe... kkkkk
O tempo foi passando e como
estávamos muito entretidos nem percebemos a tarde chegar e a neblina fechar
tudo. Não enxergávamos um palmo à frente do nariz, literalmente.
Nunca tínhamos ido a este lugar
e não tínhamos referencias para voltar. Aliás, tínhamos sim (o Chiquinho sempre
tomava esse cuidado) as torres de retransmissão de energia. Mas, estavam
encobertas pela neblina. Estávamos fritos. Nós, com toda a nossa tralha
acrescida dos samburás cheios de peixe estávamos perdidos. Quase bateu o
desespero não fosse São Francisco nos enviar um cachorrinho salvador. Um do
tipo Fox paulistinha (será que existe ainda?). O bichinho apareceu do nada e
pensamos:
Esse cachorrinho deve ter dono, vamos segui-lo.
Já era tarde. Nós estávamos
preocupados com o horário, com os familiares (lembre-se que naquela época não
existia celulares. Em casa nem telefone tinha).
Costumávamos chegar sempre num
mesmo horário. Eles deviam já estar bem preocupados.
Seguimos o cachorrinho.
A certeza
de que estávamos no caminho certo se deu quando o que? O que? Adivinhem...
Acertou quem respondeu quando
nós encontramos os pãezinhos perdidos...
Sim, sim... Graças ao meu
mau-humor, meu beicinho, a minha crise pré-adolescente, estávamos salvos!
Nessa altura da história devo
confessar-lhes que o mau-humor, o beicinho, a crise pré-adolescente, o
atolamento e o saco de pães furados faziam parte de uma estratégia de salvamento
meticulosamente planejada e estudada por mim, quando num momento de muita lucidez,
intui que podíamos nos perder por conta da neblina que iria cair no final da
tarde... kkkk
O cachorrinho? Bom, o cachorrinho na verdade
era um robô programado para estar por lá no exato momento que a neblina caísse.
Nada disso. O cachorrinho era
do dono do bar...
Graças a ele, deixamos de passar um baita sufoco.
Chegamos umas três horas depois
do normal com a vizinhança toda marcando presença na rua esperando o desfecho de
nossa aventura.
Eu e meu irmão já esperávamos
as broncas de minha mãe. Não sei se pelo susto que causamos ou pela quantidade
de peixe que ela iria ter que limpar.
Na verdade, quem limpava os
peixes era o meu pai. Ele adorava pescar e comer peixe.
Moral da história:
Não sei se
tem moral, mas poderia ser: “Tenha sempre um cachorrinho por perto ou espalhe
pães pelo caminho, nunca se sabe quando vamos nos perder numa neblina”... kkkkk...